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A rua estreita, onde os paralelos estão postos de forma irregular, é a descer. Está escorregadia devido à chuva  que se fez ouvir durante a noite. Ao fundo, do lado direito, há um portão que mostra que outrora foi pintado de verde. É de ferro e dá acesso a uma casinha que faz lembrar o Portugal dos Pequeninos. É lá que mora a mulher pequenina que se costuma sentar nos degraus das entradas dos vizinhos. De poucos cabelos grisalhos, com cerca de um metro e meio de altura e com o peso da recente solidão nas costas Maria da Luz tem 77 anos, viúva há 51. Desde que o marido faleceu, quando o filho era ainda um bebé de 9 meses, Maria da Luz, veio morar com o seu irmão solteiro em Braga. José faleceu há 1 ano e meio. “De repente estou sozinha”, afirma “Tia Luz”, como é conhecida pelos vizinhos, com a tristeza implícita no olhar de quem ainda está a tentar habituar a uma solidão sem fim. “Os meus dias são todos iguais” lamenta. Levanta-se por volta das 7h30 da manhã e vai para a porta da padeira, senta-se nas escadinhas e convive com as clientes habituais. Pelo menos dois dias da semana, por volta das 8h30 da manhã, chegam duas funcionárias da Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros (ACRC) que lhe dão um banho quente. Tia Luz não está “sozinha no Mundo, mas é como se estivesse”. Tem um filho, divorciado, e dois netos que raramente a visitam. “Se não fossem os vizinhos que tenho não sei o que seria de mim. Tenho saudades dos meus netos, que já não me visitam há muito tempo”, desabafa.

 

De chapéu colocado na cabeça e sempre de fato preto, Fausto, entra na carrinha da ACRC para passar mais um dia. Fausto tem 82 anos, é viúvo há oito e mora uma rua acima de Maria da Luz. Desde que a mulher faleceu que frequenta o lar de dia da freguesia vizinha. Diz que é lá que encontra “actividades para passar o tempo onde convive e onde fez boas amizades. Tratam-me todos bem”, diz Fausto. Fausto é padrinho de Laura, a mulher que cozinha e arruma a casa sempre que ele está em casa. “É sempre assim desde que a minha mulher morreu”, diz. Tem saudades da sua esposa que faleceu de uma doença grave mas não é por isso que se deixa “abater”. “Quando não vou para o lar entretenho-me a cuidar das plantas e do quintal. Nunca estou parado, é uma forma de não pensar na solidão”, diz Fausto, deixando o sorriso inicial esmorecer aos pouquinhos e admitindo que “não é fácil, para um homem, estar sozinho." "Eu não sei cozinhar, não sei fazer nada, se não fosse a minha afilhada não sei o que seria de mim”.

 

Entre a rua de Maria da Luz e Fausto, mora Lucinda. Tem 88 anos e é viúva há mais de 50. Sempre vestida de preto, de há mais de 50 anos para cá, não há um dia que vista uma cor diferente, nem cinzento. Apenas preto. Tem o cabelo todo branco envolto num picho e é uma senhora alta. Todos os dias levanta-se por volta das 8 horas da manhã para vir ao café tomar o pequeno-almoço. “É hábito, sabes? Enquanto as minhas pernas deixarem e enquanto a reforma chegar para isso vou continuar a ir ao café. É uma maneira de eu sair um bocadinho de casa, pois, no resto do dia, se saio de casa é para comprar alguma coisa que me esqueci. Se não, ninguém me vê na rua”, afirma Lucinda com um enorme sorriso no rosto. Lucinda não gosta de andar na rua como muitas mulheres que “só sabem falar dos outros. Aqui, enterra-se os vivos e os mortos, é demais”, confessa Lucinda pois “odeia mexericos”. Mora há tantos anos sozinha que já não se imagina a viver com alguém “tenho seis filhos, todos bem casados, graças a Deus, são muito meus amigos mas gosto de viver sozinha. Sabes como é, uma pessoa habitua-se…Já nem ligo. Mas tenho saudades do meu marido…! Ah; se não tenho”. A saudade é visível nos olhos azuis de Lucinda.

 

Questionados sobre a possibilidade de ir para um lar a resposta dos três idosos é unânime. Não querem abandonar a aldeia onde vivem há décadas e não querem deixar as casas onde viveram com os seus companheiros. A Maria da Luz o filho e os vizinhos já a tentaram convencer a ir para um lar de dia mas ela não quer. “Os vizinhos chateiam-me com isso, querem que eu vá, eu sei que não é por mal mas…” diz Maria da Luz, interrompida pelo ladrar de um cão vizinho. Já Lucinda não quer sequer ouvir falar em lares: “enquanto tiver saúde e enquanto não der trabalho a ninguém não saio da minha casa”.

 

Sandra Costa, vice presidente da Junta de Freguesia de Sequeira, afirma que a aldeia é uma terra envelhecida. Porém, diz que o número de idosos que vive sozinho é reduzido. Quando questionada sobre o apoio da junta fica reticente quanto à resposta. Diz que “os idosos são apoiados por familiares e também podem recorrer ao apoio da Associação Cultural e Recreativa de Cabreiros, que presta apoio domiciliário e fornece refeições aos idosos que precisam. Têm também o apoio da Edifacoop, que também funciona como centro de dia, onde os idosos poderão permanecer durante o dia com refeições e actividades. E além disto, recentemente foi ‘inaugurada’ a ginástica para idosos, gratuita no pavilhão de Sequeira”.

 

Na freguesia de Sequeira, apesar de a vice presidente dizer que “a junta colabora e presta todo o apoio a essas instituições para a realização das actividades normais” Lucinda, Maria da Luz e Fausto contradizem dizendo que a junta não faz nada pelos “velhos da aldeia” e que só a ceia de Natal e o passeio anual dos reformados são as  actividades que a junta proporciona.

 

Lucinda, Fausto e Maria da Luz são três habitantes das Caldas, mas há pelo menos mais cinco nesta zona a viverem sozinhos. Passam os dias com a alegria que ainda lhes resta para viver. Maria da Luz, começa a habituar-se a não ter ninguém para desabafar . Lucinda e Fausto já estão habituados a chegar ao fim do dia, jantar numa mesa vazia, onde outrora existia mais alguém e à noite, quando chega a hora de ir dormir, pensam nos seus companheiros e adormecem com a esperança de um dia os voltar a encontrar. “Talvez na próxima vida” desabafa Lucinda com tristeza mas com a esperança de um dia voltar a encontrar o marido.

 

 

Eduarda Alves

 

 

 

 

 

Não estão sozinhos mas é "como se estivessem"

Em Portugal são aos milhares. Em Sequeira, uma pequena freguesia da cidade de Braga, no norte do país, não se sabe ao certo quantos são os que vivem sozinhos. Maria da Luz, Fausto e Lucinda são três dos rostos que espelham a realidade dos idosos que vivem com o fantasma da solidão em Portugal.

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